Açores: O Poema da Luz / Azores: The Poem of Light
PT
O mundo que cabe dentro de nós e perpassa nas linhas do azul infinito; o mundo de Paulo e Vasco da Gama, o mundo dos irmãos João e Miguel Corte Real, ou do menino Pessoa, pelas mãos de sua mãe Madalena. A cidade a meus pés agitada e sonolenta. No seu colorido de varanda senhorial, apalaçada, sobranceira à grande baía outrora visitada pelas grandes naus das Índias que lhe deram projeção e reconhecimento internacional. Aqui, neste lugar, onde o pitoresco, tradicional e festeiro, se cruza com as novas ondas da modernidade, há todos os sinais da globalização, da geopolítica mundial, de um Tempo decidido por outros, no mapa de todos os desencontros. Entre o Império do Espírito Santo, a marcha de São João, a dança de Carnaval, uma vaca numa casa do Ramo Grande, uma cantiga ao desafio, uma alcatra que cheira longe, uma afinada filarmónica, a base militar e o porto oceânico, o ilhéu das cabras, a janela antiga entreaberta, a velha que espreita o seu telhado despido, as cancelas da terra, as cancelas do mar, as árvores de pé morrendo de afagos nevoeiros, as paredes alinhadas de pedras amadas por um homem, há o divino povo.
ENG
The world that fits inside us and runs through the lines of the infinite blue; the world of Paulo and Vasco da Gama, the world of brothers João and Miguel Corte Real, or of the boy Pessoa, through the hands of his mother Madalena. The city at my feet, bustling and sleepy. On the balcony of a colourful, palatial manor house, overlooking the great bay once visited by the great Indian ships that gave it international projection and recognition.Here, in this place, where the picturesque, traditional and festive, intersect with the new waves of modernity, there are all the signs of globalisation, of world geopolitics, of a time decided by others, on the map of all the discrepancies. Between the Cult of the Holy Spirit, the march of St John, the Carnival dance, a Ramo Grande cow, a cantiga ao desafio (folkloric singing), a rump steak that you can smell from afar, a finely tuned philharmonic, the military base and the seaport, the Cabras Islet, the old window ajar, the old woman looking through her bare roof, the land gates, the sea gates, the trees dying from misty caresses, the walls lovingly lined with stones, there are the divine people.
Autores: Sérgio Ávila (fotografia) e Sidónio Bettencourt (texto)
«Fim de tarde de um Domingo. Abro cautelosamente a embalagem, entregue por Sidónio Bettencourt, contendo, já impressas, as fotografias e os textos do livro que vai publicar conjuntamente com Sérgio Ávila. É sobre os Açores. Já vi muitos livros destes e até apresentei vários deles. A minha intenção é folheá-lo e escrever um breve texto, tudo antes da hora do jantar. Estaco logo nas primeiras fotografias da ilha do Corvo. Choca-me a beleza das paisagens e a simplicidade das pessoas. Vou passando devagar cada uma das folhas, descobrindo aspectos novos em lugares tantas vezes visitados noutros tempos e caras também diferentes ou até novas, que as gerações vão por lá igualmente amadurecendo e surgem outras a garantir perpetuação. Passo às fotografias das Flores e acontece o mesmo. Cada uma delas desperta recordações e enriquece a minha visão da ilha. Sérgio Ávila não dispara a máquina ao acaso, mas procura sempre um enquadramento diferente, uma luz peculiar, revelando-nos cada porção das nossas ilhas tal como a vêem os seus olhos de fotógrafo de elite e de cientista também. Vou desfolhando devagar o livro futuro, em deslumbramento crescente: há nas ilhas dos Açores uma tal concentração de beleza, que ofusca e até pode tornar as pessoas insensíveis, na convicção que todo o Mundo é assim, e não é! Em cada um dos capítulos depara-se-me uma outra ilha, explorada por olhos e coração, que investigam com amor o que cada uma delas e o seu povo têm afinal de característico. O mar está sempre presente, ou não estivéssemos como que perdidos no meio do Oceano Atlântico. Umas vezes tranquilo e quase espelhado, outras vezes bravo, lambendo a costa das ilhas com ondas alterosas. E a nossa gente lá dentro, bordejando em sossego ou nas fainas da pesca, que hoje já não é possível fotografar a caça à baleia e o denodo dos mestres dessa saga antiga. Os textos poéticos de Sidónio Bettencourt induzem do sonho à descoberta, cumprindo função de guia e de privilegiado intérprete. Quando chego ao fim, já noite dentro, sou forçado a concluir que tenho nas mãos um livro diferente. “Açores – O poema da luz” é deveras um hino gráfico às nossas nove ilhas e ao Povo Açoriano! Não abundam fotografias de pessoas e até impressiona como em muitas delas se conseguiu que não estivessem. Mas isso dá-nos a dimensão trágica do nosso isolamento: somos e estamos aqui sozinhos, rodeados de uma Natureza generosa e bela, frágil também, que se nos oferece para a saborearmos, e partilharmos com quem porventura tal merecer».
João Bosco Mota Amaral ‘in’ “Prefácio”
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